A relação entre consumidores e planos de saúde no Brasil sempre foi marcada por tensões, especialmente quando o assunto é a negativa de cobertura. Muitos beneficiários, ao precisarem de um procedimento essencial, se deparam com uma resposta negativa vaga ou, em alguns casos, nem recebem explicação formal.
Para corrigir essa falha e aumentar a transparência, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou a Resolução Normativa nº 623/2024, que estabelece uma obrigação clara: toda negativa de cobertura deve ser informada por escrito e de forma clara ao beneficiário, independentemente de solicitação.
Neste artigo, vamos analisar em profundidade o impacto dessa nova regra, como ela se relaciona com a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998)e o Código de Defesa do Consumidor, quais direitos ela reforça e de que forma o consumidor pode agir diante de uma negativa injustificada.
O que muda com a Resolução Normativa nº 623/2024?
A partir de 2025, os planos de saúde estão obrigados a:
- Entregar ao beneficiário, por escrito ou meio eletrônico, a justificativa para qualquer negativa de cobertura, mesmo que ele não a tenha solicitado.
- A resposta deve indicar qual cláusula contratual ou dispositivo legal embasa a recusa.
- A justificativa deve ser clara, adequada e em linguagem acessível, evitando termos técnicos que dificultem a compreensão.
- Essa comunicação deve ser entregue dentro dos prazos previstos para análise das solicitações — que variam de imediato (urgência e emergência) até dez dias úteis (procedimentos eletivos de alta complexidade).
Essa medida fortalece o direito à informação, previsto no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e coíbe práticas abusivas de planos que, até então, muitas vezes utilizavam respostas genéricas como “em análise” ou “fora do rol da ANS” sem detalhar fundamentos.
A Lei dos Planos de Saúde e a obrigatoriedade de cobertura
A Lei nº 9.656/1998 já estabelecia parâmetros mínimos de cobertura e a fiscalização da ANS. O que faltava era a garantia de que o beneficiário tivesse acesso, de forma transparente, às razões de uma negativa de cobertura.
Com a nova resolução, a ANS não só reforça a proteção ao consumidor, como também:
- Cria responsabilização direta da operadora, caso não entregue a justificativa dentro do prazo.
- Garante ao consumidor um documento formal que pode ser usado em ações judiciais ou reclamações administrativas.
- Reforça o papel do princípio da boa-fé contratual.
O Código de Defesa do Consumidor e a transparência
O CDC (Lei nº 8.078/1990) é claro: o consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre produtos e serviços (art. 6º, III).
Aplicado ao setor de saúde suplementar, isso significa que:
- Negativa de cobertura sem justificativa configura prática abusiva.
- O consumidor não pode ser induzido a erro ou ter seu acesso à saúde dificultado por omissão de informações.
- Caso o plano descumpra a regra, cabe indenização por danos morais e materiais, dependendo da situação.
Exemplos práticos: como funciona na vida real
Imagine três situações:
- Cirurgia de emergência: o hospital solicita autorização imediata. Se houver negativa, o plano deve entregar, em até poucas horas, documento escrito explicando os motivos.
- Tratamento contínuo de câncer: caso o plano negue a cobertura de um medicamento sob a justificativa de que é “off-label” ou “fora do rol”, deve apresentar a cláusula contratual ou norma da ANS que embasa a recusa.
- Exame eletivo: se o plano negar um exame preventivo, o beneficiário deve receber resposta escrita em até cinco dias úteis, fundamentada e clara.
O que o consumidor deve fazer diante da negativa?
- Exigir imediatamente o documento escrito – agora, um direito automático.
- Conferir a justificativa – verificar se há fundamento legal ou contratual.
- Registrar reclamação na ANS – pelo site ou telefone 0800 701 9656.
- Acionar o Procon – caso identifique prática abusiva.
- Buscar a Justiça – em situações de urgência ou quando a negativa coloca em risco a vida ou saúde do paciente.
A importância da prova documental
A grande inovação da Resolução Normativa nº 623/2024 é fornecer ao consumidor um instrumento de prova imediato.
Antes, muitos processos judiciais eram prejudicados porque o paciente não conseguia comprovar a negativa ou só tinha registros informais. Agora, o plano será obrigado a entregar documento formal, o que fortalece as ações de contestação.
Impacto para os planos de saúde
As operadoras terão que se adaptar, criando mecanismos internos para:
- Responder dentro dos prazos.
- Padronizar justificativas com base contratual e legal.
- Treinar equipes para usar linguagem acessível.
O descumprimento pode gerar multas da ANS, ações coletivas e condenações judiciais.
Conclusão
A nova regra da ANS é um marco na defesa do consumidor no setor de saúde suplementar. Ao obrigar os planos de saúde a justificarem por escrito qualquer negativa de cobertura, garante-se maior transparência, fortalece-se a confiança na relação contratual e amplia-se o acesso à Justiça.
Consumidores passam a ter um instrumento eficaz para exigir seus direitos, enquanto os planos de saúde deverão adotar uma postura mais responsável e transparente.